quarta-feira, 10 de julho de 2013

Espaço de tempo

Ao entrar num curso de Comunicação, você pensa que vai ficar imune de leis da física e da química, que vai se livrar delas definitivamente, a não ser que num remoto futuro você tenha que escrever uma reportagem aleatória sobre um tema relacionado a elas. A questão é: você fica tão imune que algumas delas simplesmente deixam de ser verdadeiras.
Digo isso pensando numa lei específica e bem básica. Sou dos muitos que sentem — e sofrem — na pele seus efeitos: “Dois corpos sólidos não ocupam o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo”. Não concordo com ela. Quem criou essa lei não pegava ônibus nos horários de rush.
Se o tivesse feito, teria comprovado na prática que dentro dos veículos cabem perfeitamente dois (às vezes, três) corpos sólidos no mesmo espaço, ao mesmo tempo. Sempre se dá um jeito, principalmente quando o ônibus está atrasado e chega, já lotado, às estações-tubo, igualmente cheias. Einstein talvez ficaria surpreso ao presenciar o ônibus acelerando, segundos depois, com as duas massas humanas somadas, sem a ocorrência de aumento do volume interno do ônibus
Na realidade, qualquer lei da física ou da química passa longe, muito longe, da verdadeira lei que rege o destino dos usuários dos articulados e biarticulados (nos horários de rush, que fique claro). Essas leis são, basicamente, as seguintes:

1 - Saiba se posicionar no tubo/ponto.
Posicionar-se estrategicamente em uma estação-tubo significa ficar na boca da passarela - ou, caso a porta esteja fechada, colado nela -, deixando espaço apenas para que a pontinha da plataforma do ônibus ofereça passagem. De preferência, não ficar no meio da plataforma: deve-se ficar num de seus lados, para grudar-se à lateral da porta no momento em que ela abre e dar liberdade aos mortais que não veem a hora de sair dali. Erros de cálculo são perigosos: às vezes surgem passageiros novatos que ficam bem no meio da porta e, um segundo após sua abertura, estão do outro lado do tubo.

2 - Abrevie seu vocabulário
Expressões como “com licença”, “preciso descer”, “por favor” e outras do tipo não têm significado dentro dos ônibus. A pergunta chave é: “Vai descer aqui?”. Se a resposta for sim, sorria e siga pelo caminho traçado por seu antecessor em meio à multidão. 
Mas o mais provável é que a resposta seja não. Aí, não diga nada e nem expresse no rosto sua decepção. Apenas enfie o cotovelo nas costas de quem estiver barrando a passagem e vá em frente. Se quiser usar a mochila ou um guarda-chuva - sempre presente no dia-a-dia do curitibano - no lugar do cotovelo, também vale. Ambos são bons argumentos.
Não tenha medo de revides, todos aceitarão sua atitude porque ela está prevista na Lei do Ônibus, e ninguém se atreverá a contestá-la. 

3 - Não conte com o óbvio.
Se o trem estiver chegando à estação onde você pretende desembarcar, verifique sua distância com relação à porta. Se for maior que meio metro, nunca diga ou pense: “Vou descer aqui”. Diga apenas a seus botões: “se Deus quiser...”, pois sempre há a possibilidade de você tentar descer e acabar indo parar no meio do povo. Ao invés de reclamar, veja pelo lado positivo: pelo menos você não tropeçou em alguém sentado!

4 - Tenha gratidão.
Ao desembarcar, são e salvo, não se esqueça de agradecer a Deus e pedir-lhe forças para a volta. Ao chegar, atrasado, na faculdade, pense como uma das piores etapas do seu dia foi vencida! 
E, se algum professor te olhar feio quando você entrar na aula que já começou, apenas pense em como ele deve ser feliz por ter um carro. 

* Esse texto é dedicado ao meu tio, Tarcisio Saraiva, que possuía uma coluna semanal em “O Diário de Osasco” nos tempos de Collor e assinava como Tárcio Rios. Em 16 de fevereiro de 1991, publicou um artigo com o mesmo nome deste e com um conteúdo muito semelhante, embora fosse sobre os trens de Osasco. Em 22 anos, a situação do transporte público com certeza evoluiu muito, mas infelizmente não a ponto de a Lei do Ônibus deixar de ser verdadeira.

2 comentários:

  1. Poxa, que belo texto Aléxia querida <3
    ''Ao chegar, atrasado, na faculdade'' acho que me identifiquei :)

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  2. O "tio da crônica original" sente-se honrado e emocionado com a homenagem. Obrigado, Aléxia, não é todo dia que a vida nos proporciona alegrias como esta. Continue fazendo evoluir o dom que você tem para escrever e conte não só com minha torcida mas com qualquer apoio que julgar necessário.
    A adaptação para a realidade atual de Curitiba ficou brilhante. Parabéns e um baita beijo!
    Tio Tárcio Rios

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