domingo, 29 de setembro de 2013

Do berro ao canto ou vice versa

Férias de verão e três amigas sozinhas na praia.
Aquela velha história clichê que toda menina quis adicionar à sua biografia.

Uma proposta da melhor amiga de passar as férias entre meninas na desejável praia de Balneário Camboriú. Um dramático término de namoro. Óbvia aceitação instantânea. sabe o começo e o fim dessa história? Está enganado. Não será dito nada sobre um amor de verão que quebrou algum coração ou sobre um magnífico nascer do sol visto à beira mar com alguém até então desconhecido.
 
Hoje e aqui, a história se passa a partir de uma aparição até então inusitada. Uma cigarra. Uma cigarra e três meninas sozinhas. E, para ser mais exata. Uma cigarra descomunalmente grande e berrante e três meninas sozinhas descomunalmente, naquele momento, frescas e barulhentas.
 
Era um fim de tarde quando a, considerável maldita, criatura apareceu. Fernandaa do dramático términoestava no banho, Letícia na sala e Giovana no quarto. Mais que de supetão os berros de desespero da Letícia chegaram ao banheiro. Em segundos, Fernanda estava em pânico, seria o motivo disso a invasão de alguém no apartamento? Algum tarado teria entrado ao perceber que apenas as três se instalaram ? Com hipóteses formadas em tempo de uma piscada, saiu com tudo do box. Enrolou-se na toalha.
 
Encontrou Letícia afobada. Ela começou a descrever o que havia passado. Foi um bicho, ele me atacou. Por um considerável segundo Fernanda pôde se sentir aliviada. Mas o inseto voltou a aparecer. Os gritos afobados também. Dessa vez, foi Giovana quem apareceu apavorada com a gritaria. Ainda sonolenta, juntou-se ao recital de gritos depois de ver a criatura voando entre elas. Vale ressaltar que ninguém tinha se deparado com uma cigarra antes.
 
Enfim, cessou-se o alvoroço. A coitada da cigarra, talvez a mais assustada, se escondeu. O pior começou. O barulho era simplesmente ensurdecedor. As três agoniadas procuravam de onde vinha o som. Encontraram. O canto cessou. Nem a vassoura na mão deu coragem para mandar o bicho embora. Chama o vizinho, alguém gritou. Não, ele vai contar pra minha mãe, retrucou a dona do lugar. O canto voltou. Elas se esconderam no corredor do elevador. Voltaram pra dentro a fim de filmar o inseto. Ele deu as caras de novo. Elas fugiram pelo apartamento. Ele se escondeu de novo. E todas as quatro criaturas berraram de novo e de novo.
 
Isso é um demônio, disse uma delas quase chorando, olha esse barulho, não é de Deus. Os berros deram lugar à gargalhada. O clima de pânico deu lugar a um leve medinho. Elas se trancaram no banheiro e se arrumaram. Saíram, ainda fugidas do vôo da cigarra. Uma hora ela tem que sair, concordaram.
 
Depois de boas horas na rua, voltaram ao lugar onde conheceram uma cigarra. Feliz ou infelizmente, ela não estava mais . E depois desse dia, toda noite elas escutavam alguma maldita cigarra berrando para alguém. Toda noite

*Escrito para a disciplina de Redação Jornalística

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

840 horas

Não sei como ou porque, mas saí clicando desesperadamente em todos os links que encontrei no site de Comunicação Social da UFPR. Tinha acabado de passar no vestibular e sempre fui do tipo que sofre por antecipação. As férias infinitas com muito tempo ocioso só intensificaram minha ansiedade e de repente eu estava lá, devorando qualquer texto ou página que me desse pelo menos uma pista do que ia encarar nos próximos anos. Quando finalmente encontrei um PDF com a tabela de matérias optativas tive a certeza de que estava no curso certo. Foram longos minutos admirando todas as disciplinas bacanas com nomes bonitos que eu poderia fazer enquanto estivesse na faculdade. Desconfio de que todos aqueles meses sem fazer nada de útil me deixaram levemente surtada, porque juro que estava até idealizando a minha grade dos sonhos cheia de coisas sobre cinema, arte e televisão. Ao rodapé da página, um lembrete amigável: Alunos de jornalismo deveriam cursar 840 horas de optativas. No ápice da minha loucura, realmente achei que não era uma carga horária tão grande diante de quatro longos anos e tantas matérias interessantes.

Meu Deus. Como eu estava errada.

Negligenciei totalmente a palavra “optativa” e o número “840” no semestre que se seguiu, apesar dos dois elementos aparecerem juntos numa mesma frase naquele quadro enorme da coordenação. De vez em quando, alguém tentava iniciar uma conversa sobre o assunto que entrava por um ouvido e saía pelo outro. Eventualmente, o tópico “Carga horária de optativas” caiu no esquecimento e foi jogado no mesmo limbo em que hoje residem alguns outros personagens do primeiro período (Um beijo para o Chatô!).

Acontece que o tempo voou e quando me dei conta a vida estava na minha porta me cobrando aquelas 840 horas. E-mails gentis da coordenação traziam palavrinhas como “Matrícula”, “Formulário” e “Optativa HT666” de cinco em cinco minutos, sempre em fonte Comic Sans azul cobalto e em negrito para dar ênfase no que estava óbvio: Não dava mais para fugir do temido número de três dígitos. 840.


No entanto, as tais optativas perceberam que eu as menosprezei esse tempo todo e resolveram se vingar. Após dois formulários preenchidos com uma pontinha de esperança, açúcar, tempero, tudo que há de bom e matérias que pareciam ser legais, recebi como resposta o silêncio da coordenação e nenhuma mudança no Portal do Aluno. Deduzi a mesma coisa que a gente conclui quando o cara não liga no dia seguinte ou se limita a responder sua mensagem no chat com emoticons e palavras monossílabas: Ele não está tão afim de você. No caso, elas – as matérias. Esperneei, fiquei chateada e fiz mil piadas sobre o assunto para disfarçar o meu desapontamento. Uns dias depois, recebi um e-mail sobre matérias com vagas remanescentes. Cruzei os braços, fiz doce, falei que não ia tentar. Tentei. Finalmente consegui uma optativa. Ela sobrou, eu sobrei. Nos entendemos, no fim das contas. Mas não dá para deixar de pensar que apesar do meu número de três dígitos ter diminuído, ainda é grande: 810. Prometi que não ia me preocupar com isso. Afinal, se as optativas não me querem tem quem queira. Isso mesmo, vou correr atrás de eletivas. Ou não, porque eu não corro atrás de ninguém. Se elas quiserem que eu me forme que corram atrás de mim. 

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Sobre autorretratos

         A fotografia começou a fazer parte da minha vida através do autorretrato. Não sei o que me levou a fazer isso. Nenhum fotógrafo que eu conheço começou desse jeito. Mas como eu sou uma pessoa meio estranha, logo de cara coloquei a Samsung compacta dos meus pais em cima de uma pilha de livros, acionei o timer e saí correndo. Isso foi há 5 anos atrás.


Um dos meus primeiros autorretratos, de 2008. Desconsiderem a marca d'água 

         Hoje percebo como esse exercício mudou a percepção que eu tenho da minha própria aparência. Passei a ter menos medo de me olhar no espelho e não gostar do que estou vendo. Quanto mais me fotografo, mais gosto de mim mesma.
        Entre 2010 e 2011 entrei de cabeça em um projeto que consistia em fazer um autorretrato por semana durante um ano -o 52 weeks. Eu cresci tanto como fotógrafa e como pessoa que resolvi fazer esse projeto de novo. Já estou na 11ª semana do meu segundo 52 weeks.


Foto da 51ª semana do primeiro 52 weeks que eu fiz. 


       Os meus autorretratos não mostram quem eu realmente sou. Não acredito que a essência de uma pessoa possa ser capturada em uma fotografia deliberadamente posada. Quando estou me fotografando invento uma personagem na minha cabeça. É como se eu estivesse atuando.

Autorretrato feito no Centro acadêmico

       Depois de me aceitar como eu sou, estou aprendendo a me reinventar a cada semana. E essa é a graça da fotografia pra mim: eu posso ser quem eu quiser.


Pra quem quiser acompanhar o meu projeto, acesse a minha página no Facebook ou o meu Tumblr.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

TEMPO

-Ela é uma apressada!
-Eu  diria mais agitada, impaciente, nervosa e ainda por cima angustiada!

  Sim... Ela é realmente tudo isso! Ainda mais nessa vida onde tem milhares de coisas pra fazer e apenas 24 horas por dia...

-Meu Deus! Tenho aula de manhã e a noite de segunda a quinta. Sexta tem aquela aula super cansativa, mas muito importante também! Ah! E tem o professor que passou um livro pra ler e o outro que disse que o artigo de 3 páginas vai valer muita nota!! Sábado vai ter aquela palestra que eu queria muito ir! Mas que droga! É  bem na hora do meu inglês e eu tenho prova... Ainda inventei de fazer Libras, que é super legal mas é a tarde inteira! Quanta coisa pra fazer, ainda tem que sobrar tempo de ler os 12 textos de xerox pendentes... E amanhã terá mais 6, com certeza pra acumular!! E ainda tenho que me exercitar... Academia, boxe, Muay Thai, que dúvida! Mas peraí, não vai dar tempo... E ainda tenho que pegar ônibus pra ir! É, não vai dar tempo mesmo!! Corre pra lá, corre pra cá... Faz chuva, faz sol e nunca arranjo tempo de ler aquele meu livrinho guardado no armário, só por prazer... Os xerox acumulados não deixam! Chego em casa. Penso que a tarde que está me esperando, trará as horas que eu tanto preciso... Mas tem uma louça pra lavar... Tenho que dar comida para o Pingo e por aí vai as minhas horas preciosas... E eu ainda quero ter tempo pra trabalhar, pra namorar, pra viajar, pra sair, pra dançar, pra ir ao parque, pra fotografar, pra desenhar, pra tocar violão, pra arrumar meu quarto, meu guarda-roupa, ir ao dentista, estudar, ler os 18 xerox, fazer bolo, assistir filme, dormir, fazer trabalho voluntário... 
  Se eu pudesse, queria pedir só uma coisa ao tempo: MAIS TEMPO, POR FAVOR!

sábado, 21 de setembro de 2013

Um texto confuso.

Sobre: Como se sentir indecisa após um semestre e meio de curso.

Não consigo lembrar o exato momento em que decidi por Jornalismo. Acho que foi uma junção de coisas, um caminho meio natural. “Você escreve bem!”, eu sempre ouvia. “Vá para a área de humanas...”

Sempre gostei mesmo de escrever, isso é verdade. Por volta dos 8 anos comecei a elaborar um livro (nunca terminado). Na época do Orkut, era do tipo que gostava de mandar grandes depoimentos, essas coisas.

Ok, escrever. Isso sempre foi um grande ponto. Junte isso a uma obsessão por fazer todos os trabalhos escolares possíveis em forma de vídeos, “mini-documentários”. Outro ponto. Ajudar as pessoas e ter uma profissão extremamente voltada para isso... Bingo! Jornalismo. Parecia perfeito. Juntaria tudo o que sempre quis.

Passei, comecei o curso. Gostei, me apaixonei, odiei. Li obrigada, fui para as aulas por vontade própria. Faltei aulas por preguiça, comecei projeto de extensão. Me apaixonei mais ainda. Senti meu coração quentinho. Vi que tinha escolhido bem. Me senti completa várias vezes. Mas ainda me sinto indecisa várias outras. Só não sei. Não sei mesmo.

Sabe, sempre fui meio indecisa. Medicina, Direito, Jornalismo, Arquitetura, Cinema, Pedagogia, Biomedicina, Comunicação Institucional, Ciências Contábeis, Biologia, Oceanografia, Letras. Não me leve a mal, mas essa indecisão ainda perdura em mim. O que fazer? O que ser?

Não me leve a mal, mas ainda não sei o que quero ser quando crescer. Repórter, professora, pediatra, juíza, fotógrafa, designer. Não me leve a mal, mas esse texto está confuso.

Não me leve a mal, eu estou confusa.


Ufa.

Reitoria dos passantes

É aquela impressão de todo mundo ser teu conhecido. Impressão de todos serem do teu passado. Ou personagens de algum filme assistido, num dia de domingo nublado. E com o ânimo de um anônimo, dentre tantos outros rostos barbados, observo o amor que se respira, dentre as saias, franjas e cigarros. Como óculos para olhos cansados, observo o amor. Calado.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Pequeno engano

Semana passada fui ao Banco. A moça que me atendeu foi super simpática, usava um laço no pescoço, lembrando uma aeromoça, e teria toda a minha atenção se não fosse por, após pegar minha identidade, passar a me chamar de Kaupê. A pronúncia correta é Kaípe, mas, tendo em vista a grafia e a singularidade do nome, nunca me importei com os frequentes enganos e, dessa vez, não havia sido diferente até então.

Porém, eu voltaria a encontrar a Karina, a moça do banco, muitas outras vezes. Afinal, eu queria retirar meu cartão e, toda vez que eu ia até lá, faltava algum documento e eu tinha que voltar outra hora. Numa dessas idas, eu ofereci um pedaço de um chocolate que eu estava comendo, ela aceitou. Honestamente, eu não sei por quê. É sabido que as pessoas oferecem o que elas estão comendo aos outros por pura educação. Ninguém realmente espera que a outra pessoa vá aceitar, mas os funcionários daquele banco provavelmente trabalham sob algum regime de escravidão, alimentando-se de doze em doze horas. Por isso, a moça aceitou.

A partir desse episódio, ela começou a me tratar com excessiva simpatia, mas continuando a se dirigir a mim como Kaupê. Por vezes, Kaupe. E, nas últimas duas vezes, ela já me chamava de "Kau". A Karina também me apresentou aos outros funcionários quando ela não pôde me atender e me indicou para uma mesa vizinha. Em pouco tempo, todo a agência passou a me tratar dessa maneira. Eu sei, eu deveria ter corrigido na primeira vez que a moça me chamou pelo nome errado. Agora parece que cada oportunidade que eu deixo para trás de corrigí-la fica mais complicado ainda. 

Por isso, estou seriamente considerando mudar de nome. Talvez Kaupê não seja tão ruim assim. Ou eu poderia trocar de banco. Mas para isso teria que encerrar a conta nesse e ouvi dizer que isso é meio que impossível. Talvez eu possa processar minha mãe por calúnia e difamação por todos os momentos de vergonha que eu passei com meu nome, mas desconfio que, por ter se passado 20 anos, o crime já tenha prescrito.

* Texto produzido para a disciplina de Redação Jornalística

O mendigo que roubava livros

Estou em Nova York, conhecendo uma pequena cobertura de um prédio bem localizado. O lugar é todo decorado com muitos móveis e uma tapeçaria que emana ostentação. Há uma fotografia na parede de uma galinha que parece uma mulher (ou será de uma mulher que parece uma galinha?). Revistas de moda e de fofocas estão espalhadas pela sala. O típico local que um magnata e sua amante, a mulher do mecânico, comprariam para dar festas durante o dia sem perigo de serem pegos. Fico observando com atenção as imagens nas paredes, moças que passeiam pelos jardins de Versalhes.

- Me dá esse livro aqui!

Sinto um puxão e estou de volta ao ponto de ônibus, ainda segurando o meu exemplar de O Grande Gatsby. Praça Rui Barbosa, Curitiba, um pouco depois do meio-dia. Estou esperando o ônibus para ir para o trabalho. Seria um dia absolutamente normal se um mendigo não tivesse acabado de tentar roubar meu livro. Nos poucos segundos em que fica parado na minha frente, ele não parece esperar uma resposta, mas mesmo assim eu tento contestar:

- Não...

A voz sai fina, quase inaudível. Com certeza não fez diferença nenhuma. Mas ele vai embora e suspiro aliviada, feliz por ainda ter Gatsby comigo. Abro o livro de novo e tento voltar a ler. Versalhes. Versalhes. Versalhes. A palavra perde seu significado e eu percebo que não vou conseguir voltar ao cenário tão cedo. Afinal, o que queria aquele cara?

O mais óbvio vem primeiro: ele queria meu livro. É absolutamente possível que uma pessoa em situação de rua seja letrada e goste de ler, só não é algo provável ou que seja visto com frequência. Mas, julgando a partir da sua abordagem, ele não tinha interesse em roubar para ler.

Ele também poderia ter tentado roubar para depois revender ou trocar por algo que fosse mais útil para ele. Seria esse o meu palpite se, de novo, a maneira como ele agiu não sugerisse algo mais.
Minha racionalidade insiste que o puxão não foi forte o suficiente para tirar o livro de mim – o que não seria difícil, já que eu estava tão distraída em Nova York. Ele não saiu correndo. Ele até deu uma risadinha! O homem não queria o livro, queria dar um susto na menina que lia. Queria chamar atenção.

Deprimente, a realidade. Pra mim, ele roubava livros toda vez que tinha oportunidade. Não era algo que as pessoas dariam queixa na delegacia. Roubava, lia, guardava. Acumulava conhecimento compulsivamente. Esse homem poderia ser o próprio Gatsby, antes de ser grande. Um Gatsby no início de sua ascensão. E eu quase fui vítima da sua megalomania, mas fui salva por pena, ou porque ele já tinha lido a obra de Fitzgerald.


*Escrito para a disciplina de Redação Jornalística I.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Tormenta de pensamentos


“O que faz a esperança um prazer tão intenso é que o futuro, que está à nossa disposição, nos surge ao mesmo tempo sob uma imensidão de formas, igualmente risonhas, igualmente possíveis” Henri Bergson, “Ensaio Sobre os Dados Imediatos da Consciência”.

Txxxxxx! Era o barulho do interbairros II fechando suas portas, enquanto um jovem de cabeleira esquisita e envolto por várias jaquetas descia do ‘’bonde’’. Esse moleque pimpão parecia ter um destino, em sua mente borbulhavam expectativas de uma festa que ocorreria, era na casa d’um tal de alemão, mas antes ele teria que descobrir como chegar lá. Estava bem escuro na Rua João Schledler Sobrinho com a Rua dos Dominicanos, logo ali, na fronteira entre a área comercial e residencial do Boa Vista. O menino parecia um tanto perdido e insanamente tresloucado para atravessar as ruas. Enquanto o ruído de uma motocicleta acontecia, o jovem perguntava numa confeitaria como chegaria ao endereço desejado.
Muito ingênuo não? No meio daqueles corredores tortuosos boavistianos, surpresas obscuras o esperavam, ele procurava uma rua com a parte do nome final: Geronasso. Mas não era assim como a vida funcionava, ele percebera que todos os finais, de pelo menos 10 ruas da região, terminavam com esse sobrenome. Era uma pena, a neblina acobertava os possíveis assaltantes e outros tipos de seres que podiam estar esperando na surdina. Até que após algumas ligações um tanto frenéticas, ele descobrira que estava no começo da rua desejada. A ansiedade tomava conta de seu olhar, enquanto suas pernas faziam um tênue ziguezague, quem estaria no alemão, será que já tinha começado? Ele não sabia mais quanto tempo estava ali, a bateria tinha acabado alguns minutos atrás. Soltou agora uma frase, murmurando baixinho:

- Estou chegando, é no número 503, e estou no 400.

Mal ele sabia que ao chegar no número 450, os números começavam a baixar. Agora no momento em que caminhava, pensava no que acontecera mais cedo, um misto de tristeza e incapacidade que não queria que ninguém soubesse:  o ato de simplesmente falhar como ser humano, e desapontar a si mesmo, mas ele persistiria, lembrava o quão duro tinha dado para chegar ali, a respiração se tornava intensa. Bufava agora, elogios descarnados a sua má sorte, reclamando da vida. Já bastava aquele maldito infortúnio que passara no mesmo dia, maldito seria aquele empata foda que acabara com seus planos juanísticos naquela tarde. Um raio caiu.

Foi aí que parei de me ver, era como se Michael Douglas estivesse assistindo “Um Dia de Fúria” em sua própria televisão. Voltei a minha consciência de gafanhoto, não percebi que a rua foi ficando mais estreita, tudo foi ficando mais claro, a neblina se dissipara, contrastando com a luz da Lua que agora pairava. Os números foram subindo, até que enfim achei meu destino, um belo sobradinho, com meus amigos esperando em frente à porta. Foi aí que houve aquele amplo sorriso, brilhando numa garrafa de Balalaika.