Desde os tempos em que era uma dentucinha,
portadora de uma barriguinha saliente – reside aqui o cúmulo do eufemismo -
pessoinha perambulante e serelepe, que apesar dessa última descrição, vivia
passando em branco e sendo uma solitária andarilha das sombras dos outros no
fundamental, desde tais época remotas, comumente, tinha espasmos de pânico
quando aquela maldita e infeliz hora chegava. ERA SEMPRE ASSIM, E É SEMPRE
ASSIM HÁ 18 VERÕES. Em todo começo de ano, o meu momento mais odiado de todos
se tornava, de fato, um pesadelo real - a tal da apresentação do primeiro dia
de aula.
Estou convicta que se orcs me levassem para Mordor seria mais agradável do que
viver aquelas experiências com todos olhando para você enquanto fala o seu
nome, idade, entre outras banalidades. Para qualquer pessoa normal, e para você
mesmo leitor, devo estar parecendo um tanto quanto louca ou no mínimo
exagerada, mas não é bem assim. Esse era o meu pior momento – juntamente com
todos aqueles que envolvia alguma forma de oratória – pois sempre fui uma
pessoa muito tímida e reservada. Como se não bastasse ter essas características
entranhadas na minha personalidade, desenvolvi enquanto criança um distúrbio da
fala, ou a popular e piadística gagueira. Quem nunca escutou aquela piada de
gago em que seu tio fica repetindo sílabas enquanto arranca risos dos outros?
Acredite, risadas são divertidas quando são PARA O SEU TIO, mas a partir do
momento em que você é uma criança e se depara diante de uma sala da sexta série
olhando para você, enquanto tenta soltar algum ruído com a boca em meio a faces
bisonhas que o seu rosto esboça, NÃO, gargalhadas não são legais. Acho meio
forte dizer que com 11 anos de idade eu me achava um lixo humano, mas é verdade. Não
tinha amigos, mas sim coleguinhas que me acompanhavam pelo corredor imitando o
meu jeito de falar, ou comentando com os outros o quanto eu era estranha.
Estranho é pensar que os professores viam, mas nada faziam.
A verdade é que
essas questões têm pouca visibilidade na sociedade, porém, felizmente, as coisas estão
mudando aos poucos. Contudo, se tem algo que, REALMENTE, é pouco discutido é a
gagueira. Acham que gago é assim porque está nervoso, mas eu te afirmo, NÃO É.
É um bloqueio mecânico mesmo, você simplesmente não controla. Sem falar que nem
todos são como a gaguinha de Ilhéus, há estágios e há também maneiras de
disfarçar. E era isso que eu fazia a partir do 13 anos de idade, quando comecei
a frequentar uma psicóloga e uma fonodiouloga. É engraçado tentar explicar, mas
durante esses anos criei mecanismos para não me sentir uma aberração,
dificilmente você me verá empacada em sílabas com movimentos repetitivos iguais
você viu em Tempos Modernos naquela aula de artes da oitava série, no máximo, ficará esperando eu terminar uma frase, são pausas, estou tentando falar, e
é assim que hoje em dia consigo ter um amplo controle sobre a minha gagueira, porém, às vezes, há recaídas ou pausas maiores, mas NÃO, EU NÃO ESQUECI O MEU NOME. NÃO, EU NÃO ESQUECI O CURSO QUE FAÇO, repito, apenas estou tentando falar.
Recentemente, estava em um restaurante com alguns
amigos, e um deles estava folheando um livro vermelho que em letras garrafais intitulava-se: O poder dos quietos. Algum tempo depois me vi nas Livrarias
Curitiba louca por esse livro, fiquei triste por tê-lo encontrado na sessão de
autoajuda – quem me conhece sabe sobre o MEU AMOOOOOR POR LIVRO DE AUTOAJUDA – mas
enfim, comprei mesmo assim e não me arrependi. Acredito que essa leitura me fez
ver que não há nada de errado em ser assim, às vezes, a gente cobra
demais de si mesmo e esquece das nossas peculiaridades, as quais foram desenvolvidas justamente por coisas que, muitas vezes, consideramos defeitos, mas que acrescentam coisas boas em nossas vidas.
Se posso ser um pouquinho de Poliana aqui, acho que todos esses
problemas que carrego me fez ser uma pessoa mais paciente, julgar menos os
outros e uma ótima ouvinte – por motivos óbvios. Não quero bancar uma de Cury, porém, o objetivo de todos esses caracteres escritos nesse espaço, é encorajar quem possui
problemas por ser tímido ou coisas do gênero – os quais escutei pelos cantos
desde que cheguei ao campus - pois eu mesma demorei para entender que
já passou da hora de sair da comunidade de gagos do facebook e dar a cara ao
mundo. E por que não em um curso de COMUNICAÇÃO social? Às vezes acho um tanto
irônico ter escolhido o que curso que escolhi, justo eu, pessoa com tantos
problemas relacionados à comunicação, mas penso um pouco mais e vejo que não
tem jeito, há quase quatro anos que não consigo imaginar outra profissão para a
minha vida, sou simplesmente encantada por toda essa área e é isso que quero
fazer, independente de qualquer coisa.
Logicamente, não é fácil me expor dessa
forma, berrar ao quatros cantos da Floresta um problema que me corrói tanto, e
por muitos anos tentei esconder, mas agora vejo essa possibilidade como uma
forma de – como havia comentando antes – dar uma maior visibilidade a esse
assunto que é pouco debatido, o qual as pessoas apenas costumam a rir das
inúmeras piadas e nunca pensam como alguém que sofre disso se sente, e tenha
certeza, pode ter um gago, um introvertido, ou um tímido muito perto de você, sofrendo, corroendo-se todos os
dias, achando que é um completo fracassado, foi como me senti por muitos
anos. Felizmente, hoje sigo lutando à espera dos próximos 18 verões, quando
finalmente poderei afirmar que o curso de comunicação e a própria vida, também
é dos introvertidos, tímidos, gagos, estranhos e enfim, humanos comuns com
problemas normais.
ps* Sim, as fotos são autorretratos.