quarta-feira, 18 de setembro de 2013

O mendigo que roubava livros

Estou em Nova York, conhecendo uma pequena cobertura de um prédio bem localizado. O lugar é todo decorado com muitos móveis e uma tapeçaria que emana ostentação. Há uma fotografia na parede de uma galinha que parece uma mulher (ou será de uma mulher que parece uma galinha?). Revistas de moda e de fofocas estão espalhadas pela sala. O típico local que um magnata e sua amante, a mulher do mecânico, comprariam para dar festas durante o dia sem perigo de serem pegos. Fico observando com atenção as imagens nas paredes, moças que passeiam pelos jardins de Versalhes.

- Me dá esse livro aqui!

Sinto um puxão e estou de volta ao ponto de ônibus, ainda segurando o meu exemplar de O Grande Gatsby. Praça Rui Barbosa, Curitiba, um pouco depois do meio-dia. Estou esperando o ônibus para ir para o trabalho. Seria um dia absolutamente normal se um mendigo não tivesse acabado de tentar roubar meu livro. Nos poucos segundos em que fica parado na minha frente, ele não parece esperar uma resposta, mas mesmo assim eu tento contestar:

- Não...

A voz sai fina, quase inaudível. Com certeza não fez diferença nenhuma. Mas ele vai embora e suspiro aliviada, feliz por ainda ter Gatsby comigo. Abro o livro de novo e tento voltar a ler. Versalhes. Versalhes. Versalhes. A palavra perde seu significado e eu percebo que não vou conseguir voltar ao cenário tão cedo. Afinal, o que queria aquele cara?

O mais óbvio vem primeiro: ele queria meu livro. É absolutamente possível que uma pessoa em situação de rua seja letrada e goste de ler, só não é algo provável ou que seja visto com frequência. Mas, julgando a partir da sua abordagem, ele não tinha interesse em roubar para ler.

Ele também poderia ter tentado roubar para depois revender ou trocar por algo que fosse mais útil para ele. Seria esse o meu palpite se, de novo, a maneira como ele agiu não sugerisse algo mais.
Minha racionalidade insiste que o puxão não foi forte o suficiente para tirar o livro de mim – o que não seria difícil, já que eu estava tão distraída em Nova York. Ele não saiu correndo. Ele até deu uma risadinha! O homem não queria o livro, queria dar um susto na menina que lia. Queria chamar atenção.

Deprimente, a realidade. Pra mim, ele roubava livros toda vez que tinha oportunidade. Não era algo que as pessoas dariam queixa na delegacia. Roubava, lia, guardava. Acumulava conhecimento compulsivamente. Esse homem poderia ser o próprio Gatsby, antes de ser grande. Um Gatsby no início de sua ascensão. E eu quase fui vítima da sua megalomania, mas fui salva por pena, ou porque ele já tinha lido a obra de Fitzgerald.


*Escrito para a disciplina de Redação Jornalística I.

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