segunda-feira, 7 de outubro de 2013

O preço de uma paçoca

Chega uma hora da vida em que o homem tem que encarar uma decisão inevitável: seguir um roteiro social pré-estabelecido ou brincar com as convenções. É mais seguro seguir a primeira opção. Mas o que seria do mundo sem as pessoas que nos desarmam...

"Carteirinha, por favor"

"Alguém viu o que tem hoje?"

"Tomara que tenha estrogonofe"

Assim chegava mais um almoço no infame Restaurante Universitário da Reitoria, o RU. Na calçada, tiritando de frio mesmo sob o sol do meio-dia, a mais plural fauna universitária curitibana. Enfileirada. Esfomeada.
Prestes a entrar, André coçava a longa barba ruiva com seus dedos finos, enquanto observava um cartaz de uma mostra de cinema sobre distopias. Seus amigos discutiam  a paralisação dos servidores públicos, que ocorreria no dia 30 daquele mesmo mês. Ajeitou os óculos enquanto procurava 30 centavos na carteira. Pagou. Permaneceu naquela fila - fazendo uma inevitável analogia entre ela e um matadouro. Sentiu o bafo quente do aglomerado de pessoas. Encheu sua bandeja o mais simetricamente possível. Achou um lugar vago. Sentou. Enquanto cutucava a sobremesa com uma colher, não pôde deixar de ouvir a conversa que vinha do grupo sentado ao seu lado.

"Descobri um lugar que vende esfiha de paçoca.

André largou os talheres e estabeleceu contato visual com o jovem que havia proferido aquelas nove palavras mágicas.

“O nome”, sua voz saiu grave e as palavras imprecisas. O jovem, confuso, não sabia o que responder e, mais uma vez, André falou: “Me diz o nome do lugar. O lugar que vende a esfiha de paçoca”.

“E-eu não lembro". Desespero.

“Pois trate de lembrar" - com uma mão o ruivo ajeitou a boina, enquanto a outra tateava a colher. Colher que empunhava quando ameaçou: “Você quer morrer, rapaz?”. André, ruivo e pálido. O jovem, moreno e rubro. E dos dois lados da cena figurantes atônitos, contendo o riso. O rapaz gaguejava, tentando lembrar o nome do maldito lugar. Embaraço. Até que...
“Você tem sorte”, André baixou a colher - Tenho um compromisso depois do almoço. Por isso vou deixar você viver. Mas, se quiser morrer, vou jantar aqui lá pelas seis e meia. 'Cê tem até esse horário pra lembrar o nome do lugar”

O rapaz agradeceu a segunda chance. Entre risadas, os dois se despediram. Um levando uma história pra contar, o outro uma necessidade súbita de comer a tal esfiha de paçoca.

André voltou para a sua sobremesa. Levou a colher à boca e mastigou.

“Alguém mais achou essa torta de amendoim meio sem gosto hoje?”



* texto feito originalmente para a aula de Redação Jornalística I

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